Avenida Brasil

Venho distraído em meus pensamentos até que, ao dobrar a esquina, sinto um esbarrão. -Ddeessccuullppee-mmee -respondemos ao mesmo tempo num olhar de relance. Já estou pronto para seguir em frente quando me detenho na imagem do outro que, com igual estarrecimento, me olha como quem fita o futuro. Eu volto vinte anos no tempo, estou mais magro, sem nenhum fio de cabelo branco e ainda não possuo rugas ao redor dos olhos, mas tenho o mesmo olhar que agora é de espanto. - Aonde vai tão apressado, meu jovem? - é   o que eu disse de súbito, como quem fala consigo diante do espelho. - Vou para o futuro, não é para lá que todos   vão? - responde-me com a mesma e familiar voz a que estou acostumado. Então sorrimos e ele acrescenta: – Até que o futuro não me é dos piores. -Guarde suas gentilezas para as mulheres que ainda estejam por vir. – São muitas? – Você descobrirá. Olha para os lados e então me indaga:   –Vive na mesma cidade todos esses anos? Sinto que a pergunta tem certo tom acusatório e para não parecer um sujeito tão acomodado e conservador eu respondo que sim, mas que o lugar não é o mesmo, e nem eu.  – Entendo. Olha para frente e me pergunta: - E o Brasil, será mesmo o país do futuro? – Sabe que às vezes sinto falta do seu, digo, do meu otimismo! Mas em compensação ganharemos mais uma copa do mundo. Só uma dica, não compre a camiseta amarela da seleção. Ah, e por falar em compras, vê se não compra tanta besteira, tá?– Opa, então quer dizer que eu terei condições? - Só terá se cuidar e, ainda assim, o necessário. - E por falar em cuidado, algum em especial além do dinheiro? -Apenas tome cuidado, você já percebeu que viver é perigoso, esteja alerta, sempre. – Caramba, assim não vai dar para ser feliz! – E quem é feliz? – Poxa, acho que eu passei do otimismo para o pessimismo com o passar dos anos. – Talvez, mas algumas coisas você, digo, nós vamos entender no momento oportuno. -Vou entender o que é a vida? – Jamais, porém vai vivê-la e isso é o que importa. – Tem razão, espero não viver sozinho. – Quase ninguém espera viver só, mas nós tomamos atitudes que nos tornam solitários e depois nos arrependemos. – Eu vou me arrepender? – Muitas vezes. O arrependimento é sinal de aprendizado. – Preferia aprender de outra maneira. – Eu sei. – Aprenderei a cozinhar? – O básico, mas seu feijão ganhará elogios. -E a escrever? – O mínimo. – Não sei se entendi, somos tão lacônicos. Bom, e por falar em ser breve acho que já vou indo em direção ao futuro, agora que eu sei que ele me espera. – Tá certo, mas não corra tanto, olhe para frente e fique atento às esquinas, vai que você dê de cara com o passado num dia como hoje ou daqui a uns vinte anos.



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