Asséptico


Tudo começou naquele ano de pandemia. Não que não estivesse habituado a certo exagero com os costumes de higiene, do tipo que girava a maçaneta com o cotovelo para não ter que pôr a mão no trinco da fechadura, mas as coisas só viriam a piorar.

 A princípio pensou que talvez fosse por influência de sua mãe que era compulsiva por limpeza. Dona Gertrudes se pudesse banhava os peixes do aquário e não havia um só grão de poeira que ela não avistasse a uns sete metros de distância.

 Ele tomava três banhos por dia, no inverno. E quando soube da pandemia pensou que se o mundo fosse um lugar mais limpinho nada disso teria acontecido. O álcool gel já fazia parte de sua rotina bem antes de inflacionar nas prateleiras das farmácias e dos supermercados. Seu estoque, que antes era de dois litros, passou para vinte, pura precaução.  Por precaução também passou a usar máscara de proteção de três camadas, protetor facial e luva de látex, em casa. Para sair à rua a indumentária era ainda maior e consistia em botas de poliuretano e macacão impermeável antibacteriano, tinha de todas as cores. Passou a manter distância segura de qualquer pessoa, sua namorada podia ficar a dois metros de distância, desde que devidamente protegida com todos os itens de segurança. Havia quem achasse exagero tanta precaução, mas ele se defendia: “Seguro morreu de velho”. Certo dia, quando banhava os produtos que trouxera do supermercado, ouviu no noticiário que haviam, enfim, descoberto uma vacina que seria a cura para aquela pandemia. Desconfiado, pensou: “Não será por isso que vou cancelar o pedido do meu macacão ultra protetor da Nasa.”


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