Do avesso


Era um país desajeitado, mas que tinha um jeitinho para tudo inclusive para sua falta de jeito para com certas gentes que lá viviam. Bater e assoprar eram gestos indissociáveis, corriqueiros e até banais. Lá preto tinha alma branca, empregada doméstica era tida como da família, mulher apanhava de marido, mas era por amor, pobre era indigente, mas contava com a caridade de seu semelhante. Diziam que lá era o paraíso e que Deus estava entre os seus pela força da fé não havia o que duvidar. Tinha um Cristo redentor, uma padroeira dos milagres, e santo por toda a parte. Seu sistema político se resumia em um único modelo vigente desde sua constituição e funcionava muito bem desde que seus habitantes possuíssem muitos bens para os demais nada de peixe o correto era ensinar-lhes a pescar (geralmente sem vara). Havia nesse povo uma espontaneidade de causar graça, pois para toda a regra tinha uma exceção e a interpretação das leis se dava conforme o infrator. Absolvição era o veredito comum em caso de autojulgamento era a terra dos bem nascidos, dos apadrinhados, dos: “você sabe com quem está falando?” Melhor é nem saber. Sua língua apesar ou devido aos estrangeirismos era tida como a mais bela flor do Lácio e manifestava a diversidade linguística de seu povo e toda a variedade era tolerável desde que não diferisse do padrão nas situações hierárquicas, para os transgressores aplicava-se a cartilha ortográfica ou a exclusão social. Neste país seu povo era cordial a formalidade quase não existia, de braços abertos se recebia a todos, ou quase todos. O trabalho dignificava essa nação e boa parte das vagas, geralmente as mais cobiçadas, se conseguia através de boas indicações, referências, nepotismos e fidelidade partidária. Porém esses trabalhadores não costumavam ocupar os elevadores de serviço comuns em boa parte de suas edificações, havia entre eles certa nobreza indispensável em situações coletivas tais como filas, restaurantes, bancos ou estradas. Seu tempo era valioso e suas necessidades prioritárias. Exclusividade era palavra de ordem e todos a ostentavam com orgulho e altivez. Definitivamente esse não era um país para principiantes, amadores ou derrotados, nele tudo era o avesso do avesso do avesso e para endireitar recorria-se sempre ao “bom” e velho jeitinho, pois jeito mesmo não há indícios de que algum dia tivera ou sequer esperança de que amanhã o terá.

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