Resenha: Vidas Secas - Graciliano Ramos
Vidas Secas representa uma
verdadeira síntese do que foi a Segunda Fase do Modernismo no Brasil. Época em
que os escritores brasileiros preocuparam-se em evidenciar as mazelas do país,
traçando um panorama da condição sócio política nacional. Temas como o coronelismo,
a exploração humana, o abandono do Estado, e a falta de dignidade como
princípio básico do direito humano são denunciados por meio de personagens
periféricas que suportam as agruras de uma vida indigna e determinada por sua
malfadada condição social.
A narrativa constituída em
terceira pessoa e linguagem formal registra a fuga de uma família de retirantes
que recorre a esmo o arrido sertão nordestino em busca de condições mínimas de
sobrevivência. A hostilidade do ambiente e a ausência de vida marcam o drama
desta via crucis percorrida por Fabiano, a esposa Sinhá Vitória, seus filhos, o
menino mais velho o menino mais novo e a cadelinha Baleia.
Constituída de treze capítulos
independentes a aleatoriedade em lê-los não prejudica o entendimento da obra
que é uma das mais notáveis do escritor que de maneira simples e direta soube
como poucos registrar a desumanidade dos “vencedores” frente aos vencidos num
mundo onde o homem é lobo do próprio homem. Tal desumanidade torna Fabiano,
segundo seus próprios e confusos pensamentos a se autodenominar um bicho ou
mais propriamente um cabra, ou seja, alguém que não tendo condições de gozar de
dignidade, como por exemplo, a apreensão do universo linguístico enquanto
instrumento de defesa de seus direitos, decide se resignar a uma posição
inferior e determinista como forma de resistência e estratégia de sobrevivência
em face de sua situação marginalizada.
Um contraponto a Fabiano é a
cachorrinha Baleia em sua caracterização quase humana expressa por atitudes e
sentimentos que a elevam de sua condição animal e a torna imprescindível à
família seja por meio da caça que lhes garante o alimento seja por sua
companhia afável e compreensiva para com todos da família em especial ao menino
mais velho que a toma por confidente e leal companheira. É ela que vai a frente
conduzindo a todos ou que fica e acompanha os que já não podem mais seguir que
possui intuição e pressente de antemão aquilo que está por vir.
Sinhá Vitória sonha com coisas
simples como, por exemplo, se esticar em uma cama de couro livrando-se da cama
de varas e seu desconforto habitual, o desejo por algo tão simples nos revela o
tamanho da precariedade enfrentada pela família que se lhes é dado o direito ao
trabalho exploratório pelo dono das terras, não se lhes é permitido sequer o
descanso digno de quem labuta em prol do lucro do patrão.
Os meninos crescerão, embora a
narrativa não apresente tal fato, e serão como Fabiano, e seguirão fugindo,
talvez cheguem à cidade, talvez venham a engrossar os cinturões da pobreza que circundam
as grandes cidades deste país, mas fatalmente preservarão o estigma de suas
vidas secas seja pela aridez e hostilidade de seu habitat seja por suas vidas
ressecadas, mortas na ausência de dignidade e esperança.
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