O homem que só tinha mais um dia de vida
Foi num sonho que Deus lhe revelou
que ele teria só mais um dia de vida. Quando acordou, a primeira coisa que
pensou foi no que faria com aquele seu último dia. Tomaria um avião e, enfim, viajaria
para conhecer a Europa, ver a Mona Lisa no Louvre, subir a Torre Eiffel, caminhar às margens
do Sena, mas nem passaporte ele tinha e, se não dava para viajar, quem sabe se
ele surtasse, mandasse tudo à merda, lançando para fora o que levava engasgado
há anos e não podia cuspir, afinal tinha uma vida para ganhar, mas só o que
ganhou foi uma gastrite que evoluiu para uma úlcera nos últimos tempos e agora,
com o pé na cova, tinha medo de não se libertar, de não perdoar, dizem que o
perdão salva, nessa hora só o que queria era a salvação, pois tratava-se de um
homem devoto. Talvez estivesse ficando louco e até andaria pelado por aí,
totalmente livre, mas se sentia preso às vergonhas e aos complexos de aparência e de
virilidade. Diabos, nem na hora da morte se livraria de suas amarras. Pensou em
postar um texto de despedida nas redes sociais, um adeus compartilhado para dezenas
de pessoas que dariam “like” ou “amei” em sua postagem. Melhor não, desistiu da
ideia. Talvez se se confessasse como um último sacramento cumprido sem tempo
para penitências,
o que lhe pareceu vantajoso, mas nem na extrema-unção confessaria seus segredos
e pecados, isso não, estes iriam consigo para o abafamento do túmulo. Olhou
para o computador sobre a mesa, nele, um livro por terminar que jamais veria
lançado, nunca plantou uma árvore, e filhos não os teve. Esse ficaria sendo o seu legado: a
ausência de legado. Entretanto, ainda não tinha decidido o que faria daquele
dia, tiraria folga? Para fazer o quê? Não suportaria mais passar suas últimas
horas elencando e descartando opções do que fazer. Então, de relance, trocou o
pijama pelo uniforme de trabalho, apanhou a carteira e o maço de cigarros e
saiu apressado, pois já estava atrasado para aquele que seria o seu último dia
de trabalho.
Comentários
Postar um comentário