Xeque
Acomodavam-se ao redor de uma mesa toda a equipe do setor. O diretor, a gerente e os apreensivos. Dali sairiam demandas de trabalho, ameaças e surpresas nunca agradáveis. Boa tarde configurava mera formalidade, a tarde era tensa e cheia de expectativas. O diretor, um homem que se impunha pelo tamanho e pela autoridade, não abdicava de usar suas “qualidades” a fim de “motivar” sua equipe.
A gerente, desafeto velado do
diretor, abriu a reunião com a apresentação dos resultados obtidos nas últimas
ações de seu departamento. Ele a analisava com olhar inquiridor e com certo
desdém. Ela, por sua vez, usava de seu estratégico discurso para conduzir a
reunião ao encontro dos seus interesses. Havia ali um jogo de xadrez onde a
menor desatenção poderia representar um xeque-mate avassalador. Por isso, todos
se mantinham concentrados e apreensivos.
Cada fisionomia ali era composta por máscaras
que representavam um desfile alegórico seguido pelo receio, pela dúvida e pela
arrogância. A paramenta do espanto também compôs a cena quando o diretor
solicitou à gerente que indicasse um nome para coordenador da equipe. Um
profundo silêncio ocupou a sala. O dirigente a colocava em xeque ela precisaria
pensar rápido para não perder o lance nem o comando. Sua cabeça era um computador
fazendo cálculos e previsões de cada possibilidade existente. Um nome errado e
colocaria tudo a perder.
A imagem congelada daria uma
dimensão do que foi aquele instante. Um leve sorriso no canto da boca do
diretor, o franzir de cenho na testa da gerente, o dilatar das pupilas dos
servidores, um ar condicionado, que congelava a sala e o tempo, mantendo sob
completa tensão músculos e fisionomias atônitas.
Numa jogada de mestre ou de
suicídio, um dos presentes disparou. "Desculpe a intromissão, diretor, mas
se o senhor já possui uma gerência que lhe presta apoio e nossa equipe é tão
exígua que cabemos todos ao redor desta mesa, por que haveria a necessidade de
mais alguém na hierarquia do setor?"
Todos ficaram ainda mais
estarrecidos com a ousadia do comentário. Tratava-se de alguém muito audacioso
ou muito tolo? A confirmação de uma das hipóteses viria logo a seguir.
O diretor com os olhos arregalados
entre a surpresa e a cólera virou-se para ele e disse: "Nem sempre posso
contar com a gerência, que tem muitos afazeres, (na verdade não tinha) e pode
não se encontrar no momento que eu a necessite. Por isso, preciso de alguém que
possa me fornecer informações prontamente quando eu solicitar. Alguém
que seja um elo desta corrente e, sobretudo, alguém capaz e inteligente. (Esse
adjetivo final em tom de ironia e arremate).
O argumento pareceu razoável e
convincente, o que inibiu ainda mais a possibilidade de questionamentos pelo
restante da equipe.
Sem titubear, a gerente então o
indica para coordenar o grupo, alegando responsabilidade, experiência e coragem
para enfrentar desafios (ironia do destino). O nome rapidamente é acatado por
todos os colegas, menos pelo eleito, que assumiria mais responsabilidade pelo
mesmo salário, conforme salientou o diretor. Ali se vestia a camisa da equipe.
Aquilo sim foi uma promoção relâmpago e o raio caiu-lhe diretamente na cabeça.
Ao final da reunião os demais,
aliviados, o parabenizavam pelo cargo. Ele, agora em silêncio, pois pensava em
tudo que era insulto para lhes atirar em cima, achou por bem manter-se calado.
Agradeceu-lhes com um sorriso amarelo e alguns tapinhas nas costas,
resignando-se ao aprendizado de que xadrez é um jogo em que se exige técnica,
concentração e profundo silêncio.
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