Cumplices
Sinto vibrar o celular e olho o
aplicativo de mensagens. Fui adicionado a um novo grupo “Eternos amigos”, criado para
organizar o reencontro dos formandos do 3º ano do Ensino Médio da turma de 2000
da escola Rui Barbosa.
A mensagem introdutória dava as boas-vindas
a todos numa mescla de cordialidade, redundâncias e forçoso coloquialismo.
Pensei em sair do grupo, mas de
imediato alguém me chama:
- Fala, Adriano, quanto tempo, cara?
- Era o Vitor, sujeito solitário e CDF
que em épocas de colégio me salvava a vida com os trabalhos e com as
provas bimestrais.
- E aí, Vitor, tudo certo?
Nisso entra a Mariana:
- Oieee. Tudo bem, pessoal!!!
Saudades!!!
E logo começa uma enxurrada de emojis e mensagens. Coloco o grupo no
silencioso e passo a acompanhar as conversas.
- Galera, meu cunhado vai inaugurar
uma churrascaria top na cidade, a gente poderia marcar nosso encontro lá, que
tal?
- Olha gente, se o cardápio for
churrasco eu já vou avisando que não vou, pois não como carne, tá!? Espero que
entendam.
- Se você não for, a gente agradece,
Aline.
- Agradeceria se você fosse mais
gentil, Ricardo. Mas tem coisas que não mudam nunca, né?
- Calma gente, fiz esse grupo para
confraternizar, não
para lavar roupa suja do passado. Vamos focar no encontro.
- Concordo contigo, Carol. Estou
ansiosa para rever a turma.
- Rever a turma ou marido das
outras, já que você vivia se oferecendo pelos corredores da escola?
- Olha aqui, Cíntia, supera querida,
se eu fiquei com teu namorado é porque ele gostou muito mais de mim do que de
ti. Aliás, eu não sei como ele chegou a namorar uma sonsa feito você.
- Escuta aqui, sua desqualificada!
Melhor ser sonsa que puta.
- Será mesmo?...
- Gente, gente, esse grupo tá
parecendo o congresso. A Carol, super animada em reunir a todos e vocês ficam
de picuinhas. Águas passadas não movem moinhos.
- É fácil falar, né, Ana? Mas vocês
sabem o quando eu tive que fazer análise para superar os traumas e bullying que
sofri na escola?
- Olha, Pedro, era tudo brincadeira,
ninguém fez por mal. Depois a gente te pediu desculpas e você aceitou. Lembra?
- Só o que lembro são as risadas de
vocês enquanto eu era humilhado por todos.
- Olha aqui, cara, você sempre se
fez de vítima. Será que com tanto tempo de análise você ainda não descobriu
isso?
- Calma, Carlos, não adianta a gente
culpar as pessoas, cada um é cada um. Você sempre foi estourado e a gente
sempre relevou seus rompantes.
- Presta atenção, Carol, não vem dar
conselhos que da minha vida cuido eu! E você, chorão, se liga ou vou te dar um
real motivo para se lamentar.
- Pessoal, o que é isso? A gente nem
se encontrou e a festa já tá animada. Alguém me serve uma bebida, por favor.
- Você fala isso porque não é
contigo. Aliás, pensa que eu não sei quem foi que teve a ideia do trote, Seu
André!?
- Pedro, prometo que te pago uma
sessão de análise, a cerveja na festa e de quebra ainda faço a ponte entre você
e a sua antiga crush, a Rita. Que
tal?
- Que foi, André, que história é
essa? Eu lá sou alguma ilha para precisar de ponte? Já tomo fluoxetina o
suficiente e não preciso de mais nenhum doido à minha espreita.
- Então gente, vamos deixar os
assuntos pessoais de lado e nos concentrar aqui no nosso encontro. Quem, então,
topa fazer numa pizzaria?
- A Aline não vai reclamar da
calabresa? kkk
- Ricardo, vai tomar no cu!!!
- Não sou eu quem gosta.
- O que você está insinuando?
- Quer mesmo que eu diga?
- Gente, por favor. Aqui não. Olha o
decoro. Alguém tem mais alguma ideia?
- Eu sugiro num bordel. Assim tem
gente que vai se sentir em casa.
- Falou comigo, songa monga? Então
leva seu novo namoradinho pra gente ver com quem ele volta?
- Raquel, chega. Não dá bola. E
Cintia, por favor, não atrapalhe.
- Ei, grupo, que tal se a gente
fosse num parque aquático?
- Tem gente que não saiu da
adolescência ainda, não é mesmo, Renato?
- Qual o problema, Saionara, já
trocou o biquíni pelo maiô, é?
- Vê se sou eu que dispenso a boia,
pois já possui pneus o suficiente ao redor da cintura.
- Pois é, mas você bem que gostaria
de um pneuzinho rolando por cima de você, não é mesmo?
- Querido, eu nunca gostei de banha.
Quanto muito de um seboso feito você, vê se te enxerga.
- Me empresta o teu fundo de
garrafa, então.
- Tem certeza que não prefere uma
lupa? Será útil quando for ao banheiro.
- Basta!!! Gente, eu desisto. A
única coisa que eu quis foi juntar todos para um reencontro de velhos amigos,
mas isso tá parecendo um tratado de guerra.
- Turma, quero aproveitar que todos
ainda estão no grupo para fazer uma revelação. Acho que é chegada a hora de
vocês saberem de uma coisa.
- Que tu é gay, Pablito? Tá na cara,
né, todos sabemos.
- Como assim, Giovana, todos sabem?
- Porque você acha que a turma te
apelidou “o guloso” no acampamento da escola, senão pela sua capacidade de
engolir todas as bananas dos cachos que você tinha ou achava ter escondido.
- Gente, tô passada! Quer dizer que
todos já sabem que eu sou gay, então?
- Sim.
- Claro.
- Óbvio.
- A gente sabe até que você e o
Carlos andaram descascando banana juntos quando se perderam da turma naquele
acampamento.
- O que que você tá falando, sua
lambisgoia? Quer tomar na cara! Ah não, desculpe, sei que você gosta de tomar
por outro lugar né?
- Só eu?
- Deixa eu te mostrar do que eu
gosto, Maria sabonete.
- De sabonete você entende, né?
- Chegaaaaa!!!
- Eu desisto. Não vou mais fazer
porcaria de encontro algum. Já me arrependi de criar este grupo. Vocês são
desprezíveis. Fui.
Número tal saiu do grupo.
- Achei que ela não sairia mais.
- Verdade, dessa vez deu trabalho.
- Marcamos o encontro no mesmo local
de todos os anos?
- Por mim tudo bem.
- Ok
- Combinado.
- Até lá!
- Ah! Adriano, vê se não vai contar
nosso segredo, viu?
- Adriano?
Você saiu do grupo.
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