Embarque

A confusão começou ainda no embarque. O casal de gralhas fez um escândalo quando um furão quis furar a fila, pois o tempo já estava fechando e dava-se a volta na arca devido à quantidade de espécies ainda por entrar. O jabuti, que havia chegado antes da lebre, era o primeiro na rampa, porém agora se arrastava num passo lerdo e paciente, o que irritava a todos, exceto o bicho-preguiça.

Mais atrás na fila, a galinha, mal vista pelas peruas, esquivou-se do galo para ficar dando sopa para um pavão todo exibido. Nova confusão e foi pena para tudo que é lado. Dizem ter sido a cobra que alertou o galo, pois sabia que ele era de briga, e ela também não gostava da galinha, porque a penosa nunca a deixou chegar perto dos seus ovos. Aquilo sim foi o ovo da discórdia, com o que todos concordaram.

Cães e gatos tomaram partidos diferentes e a confusão só fez aumentar. Todos falavam ao mesmo tempo e sem parar, ou melhor, latiam, miavam, cacarejavam, urravam, berravam. Até que o tamanduá, cheio de boas intenções, sugeriu um abraço de conciliação, mas ninguém aceitou e, de cara amarrada, cruzaram os braços e deram de ombros. 

Os primeiros pingos começaram a cair e, por ironia do destino, o jabuti já dentro da arca não precisou recolher-se para a sua casa. Isso irritou a todos. Houve, então, novo tumulto, e começou um empurra-empurra, até que o elefante desajeitado esmagou a pobre formiga. Foi uma comoção geral. Uns diziam que a culpa era dela, pois não sabia se posicionar na fila, logo ela, uma formiga. Outros sentenciavam que ele era um descuidado, insensível e desastrado, que merecia o circo como punição e não a arca da salvação. O fato é que o elefante foi absolvido, mas cumpriria a viagem na parte descoberta da embarcação e nem adiantaria ficar de tromba com o veredito.

O leão, que era o rei da selva, não gostou de encarar aquela fila e nem de saber que a arca não trazia acomodações de nobreza. E ainda questionava qual seria sua dieta a bordo. Aquilo era um ultraje à sua importante posição. Rugiu de raiva e todos se amedrontaram, menos o rato que era seu protegido e fiel escudeiro. Enquanto aquele leão mandasse no pedaço os ratos fariam a festa.

Como a chuva havia engrossado, os animais correram para dentro da arca, à exceção dos peixes, que acompanhariam pelo lado de fora, e dos pássaros, que ficaram voando ao seu redor. Lá dentro, todos, encharcados e amontoados, buscavam se acomodar do jeito que dava. Quando a água começou a subir, muitos ficaram apreensivos, mas o capitão, um homem de barbas brancas e de nome Noé, falou: - Sejam todos bem-vindos a bordo! Esta arca tem capacidade para todos os animais, dispensamos os salva-vidas, pois vocês já estão salvos. Contudo, evitem sentar na borda da embarcação ou subir no mastro, exceto os macacos e a preguiça. A pomba nos avisará quando do final da viagem. Até lá, desfrutem das acomodações, já que a vista não oferece grandes novidades.

Ao fim daquela ladainha, que terminou por louvar e agradecer ao criador pela sua misericórdia e bondade divinas, a coruja, tida como a mais sábia entre os animais, ponderou: “Não tiveram os dinossauros melhor sorte que nós?”

Nisso, um despistado casal de cupins alojou-se na e após uma breve e agradecida oração deram início ao seu jantar.


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