Resenha: A Hora da Estrela – Clarice Lispector


“Mas o vazio tem o valor e a semelhança do pleno”

Ninguém sai indiferente a narrativa de Clarice Lispector, impossível não se impactar com seu estilo literário. (explosão). Em seu último livro A Hora da Estrela a autora lança mão de um narrador em terceira pessoa, Ricardo SM, que busca se reconhecer através de uma protagonista que o desafia a superar suas possibilidades para contar uma história que vai além de um retrato social. “Porque escrevo sobre uma jovem que nem pobreza enfeitada tem? Talvez porque nela haja um recolhimento e também porque na pobreza de corpo e espirito eu toco a santidade, eu que quero sentir o sopro do além para ser mais do que eu, pois tão pouco sou.” A mesma sensação de ausência invade o leitor ao simpatizar ou reconhecer-se em Macabéa, esse é seu nome recebido em homenagem a Nossa Senhora da Boa Morte (ironia) por conta de uma promessa de sua mãe. Ela “vinga” deixa o sertão de Alagoas e vem morar no Rio de Janeiro, empregando-se como datilógrafa em uma pequena empresa de atacado. Dividindo um quarto de pensão com outras quatro moças de nome Maria na periferia da cidade.
Mas afinal o que tem Macabéa? Melhor seria dizer o que não tem. Nas palavras do próprio narrador encontra-se a seguinte definição: “Há os que têm e os que não têm. É muito simples: a moça não tinha. Não tinha o quê? É apenas isso mesmo: não tinha.” A protagonista é representada sem os convencionais sentimentos de orgulho, vaidade ou ambição, tão comuns a qualquer individuo. Macabéa não tinha um projeto de vida, nem mesmo um propósito. “Ela era café frio.” Se não era feliz, por não saber propriamente para que sirva a felicidade, tampouco era triste por não saber o que era e assim não se indagar a respeito do que fosse. “Quem se indaga é incompleto.”
A moça estava só no mundo e por muitas vezes não sabia bem quem era repetindo para si mesma com certa satisfação: “... sou datilógrafa e virgem, e gosto de Coca-Cola.” Tais constatações davam pistas de sua identidade e um papel a ser representado com obediência. Porém a datilografa que tinha dificuldade com as palavras e pouca habilidade com a máquina de escrever “vivia numa espécie de nimbo entre o céu e o inferno nunca pensara em ‘eu sou eu’. Acho que julgava não ter direito, ela era um acaso.”
Durante as madrugadas ligava baixinho o rádio emprestado de umas das companheiras de quarto para ouvir a Rádio Relógio que dava “hora certa e cultura”. E o conhecimento lhe pingava ao ouvido como gotas de sabedoria aleatória dando acesso a uma vaga ideia de cultura ainda que ela mesma não soubesse o significado desta palavra.
Durante um mês de maio (mês das noivas) Macabéa encontra seu par baixo uma chuva abundante “O rapaz e ela se olharam por entre a chuva e se reconheceram como dois nordestinos, bichos da mesma espécie que se farejam”. Olímpico de Jesus, esse era seu nome, era operário, mas se dizia metalúrgico o que a deixava contente com sua posição social, pois achava que ambos formavam um casal de classe ela datilografa e ele metalúrgico, e que por isso tinham seu lugar no mundo. Porém ambos eram por demais opostos, ele um galinho de briga, orgulhoso, machista e muito ambicioso ela “existia, só isso”. Suas raras conversas se resumiam a lembranças do nordeste e sua comida. Ela o admirava, ele se irritava. “Você tem cara de quem comeu e não gostou” dizia. Ela, não se ofendia.
Quando Olímpico a substitui por Glória, sua companheira de trabalho que possuía os quadris largos de parideira, era carioca da gema, e loira oxigenada (ascensão), “(ela não sentiu desespero etc. etc.) Também o que podia fazer? Pois ela era crônica. E mesmo tristeza também era coisa de rico, era para quem podia, para quem não tinha o que fazer. Tristeza era luxo.
Como forma de recompensá-la por roubar-lhe o namorado, Gloria lhe empresta dinheiro e diz a ela que procure Madama Carlota uma vidente que quebra feitiço a abre os caminhos. A vidente que antes de dedicar-se a venda de ilusões vendia o corpo no seu frescor da juventude recebe Macabéa com os mimos do diminutivo, “entre queridinha”, ela não estava acostumada com tal tratamento, achou estranho. Mas conforme madama Carlota ia falando suas esperanças iam brotando, passou a ter expectativa. “Pela primeira vez ia ter um destino” (explosão). Ao sair da cartomante cheia de vida, e esperanças não reparou no carro que vinha em sua direção, teve seus sonhos atropelados no ápice de sua emoção. “Ficou inerme no canto da rua, talvez descansando das emoções, e viu entre as pedras do esgoto o ralo capim de um verde da mais tenra esperança humana. Hoje pensou ela, hoje é o primeiro dia de minha vida: nasci.” Terá tido Macabéa sua hora da estrela? “Terá tido saudade do futuro?” Quem ler verá.

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