Reunião Pedagógica
Não faltou ninguém para a reunião
pedagógica, visto
que era uma convocação. Todos perfilados em um semicírculo olhavam-se
mutuamente e discutiam pequenas banalidades pessoais que era para disfarçar a
tensão do que estava por vir. O diretor,
devoto, abriu o encontro com uma solene oração, de olhos fechados O Pai Nosso
ecoou pela sala como um entediante mantra religioso. Alguns o acompanharam
formalmente, outros repetiam mecanicamente a ladainha,
dispersos em suas divagações, já os de outras religiões mantinham seus olhos
fechados e os pensamentos em suas crenças enquanto os ateus, esquecidos e
constrangidos, pacientemente esperavam pelo fim daquela e o início da reunião.
O Estado laico tem essas coisas.
Na sequência, a professora de português, que
também cumpria ali a função de redatora do encontro, deu início à leitura da ata da
reunião passada, uma leitura monótona e cansativa que provocava o tédio em
alguns e o sono em outros, mas que, segundo ela, era de fundamental importância. Não
só porque havia sido ela a anotá-la, e, por isso, queria dar algum mérito em seu
enfadonho e burocrático trabalho, mas também porque o registro de sua tarefa
estaria sempre à disposição de qualquer indagação que pudesse se opor aos fatos
ali narrados. Lido o documento, após um longo bocejo do professor de educação
física, todos o assinaram, passando à sequência da pauta.
Naquele dia receberiam uma
importante visita. A Senhora Diretora da Coordenadoria Regional de Educação
estaria presente para apresentar soluções a problemas pontuais que arrolava
aquela conturbada
unidade escolar. Misto de expectativa e receio, já que soluções hierárquicas
tendem a ser um remédio amargo, com efeitos colaterais, prescrito a todos os que se
contaminam pelo vírus da desobediência. E como a ilustre visita demandaria o
ponto alto da reunião, começou-se uma discussão prévia e acalorada a respeito
de sua vinda. Ela nunca havia pisado na escola, só delegava através de seu
gabinete. Sua presença ali, além de inusitada, era agora muito preocupante.
Porém, antes, uma outra
senhora, a coordenadora educacional (tida como solteirona linha-dura e que era
motivo de questionamentos / comentários
por parte de colegas, nos corredores) ,
sentindo-se ofendida pela reprovação de alguns acerca de seus burocráticos e exigentes
métodos de trabalho, sempre repassados às pressas ao já atarefado corpo
docente, iniciou suas queixas em tom de lamúria e indignação: - Por mais e melhor que se faça,
nada está bom, e reconhecimento é o que não se deve esperar de gente ingrata e
descomprometida, que, ao invés de agradecer e cooperar, só faz criticar e
desvalorizar o empenho de quem se compromete verdadeiramente com a educação.
Não estão satisfeitos? Não me querem aqui? Avisem que eu
saio, mas não me chateiem pelo amor de deus – finaliza com um tom “vitimista” e
ofendido.
Logo alguém partiu em sua defesa,
tratava-se de um professor readaptado por problemas psicológicos devido a sua
aversão à sala
de aula e que passava seus dias entre os jogos de paciência na biblioteca e o
cafezinho na sala de professores. Não que estivesse realmente disposto a
defendê-la, mas porque lhe convinha o apreço de qualquer influência que poderia
beneficiá-lo a qualquer momento. Bajulador – cochichavam alguns, - Interesseiro
– retrucavam outros.
Outras pessoas pediram a palavra, e
como todos quisessem falar ao mesmo tempo houve um princípio de tumulto. Até
que a professora de filosofia, tida como neurótica e ligeiramente
desequilibrada, e que estava de mão erguida já há algum tempo, sendo
ignorada por todos, levanta-se e, aos gritos de desabafo, dirige uma ofensiva
crítica aos demais colegas professores: - Cambada, vocês não respeitam a vez!
Eu quero falar e não consigo, parece um bando de gralhas, todos gritando ao
mesmo tempo! Muito obrigado pela atenção! E se retirou da sala a passos largos
e pesados como quem carrega nos ombros todas as injustiças do mundo. Iniciou-se
uma verdadeira algazarra alimentada por reprovações, críticas e lavação de roupa suja entre os que a defendiam, os
que a reprovavam
e os que punham panos quentes.
Neste momento, entrou a Ilustríssima
Senhora Diretora Geral. Fez-se um silêncio sepulcral. Muito boa tarde! – disse,
num tom austero e apaziguador. O diretor a saudou com as boas-vindas e todos
responderam como crianças obedientes e temerosas num sonoro e orquestrado boa
tarde! Dispensadas as apresentações ou cordialidades, desnecessárias
a quem comanda com autoridade imponente, a diretora acomodou-se em sua cadeira,
de frente para todos, tirou os óculos e encarando-os com olhar intimidador e de
reprovação, foi direto ao ponto. – Se tem uma coisa que me incomoda é a tal da
intriga. Ela mina as relações e estraga o ambiente de trabalho. Detesto
conchavos, picuinhas, maledicências, fofocas de corredor e insubordinação. Por isso, eu quero saber se tem alguém aqui
insatisfeito ou que deseja ser o diretor dessa unidade escolar no próximo
pleito? Essa indagação deixou perplexos os
amotinados que estavam descontentes com a atual gestão. - Repito, alguém aqui
pretende se lançar a diretor dessa escola? Nessa hora muitos entenderam que
seria um cale-se agora ou arrependa-se para sempre. Não havendo manifestações,
o monólogo continuou. – Tenho aprendido desde sempre que o pior ambiente em que se
pode estar é o ambiente da injúria, da falsidade e da fofoca – disse isso
olhando firme para os possíveis rebelados que se esforçavam para mante a
discrição. -
Se alguém aqui está descontente com a gestão dessa escola (leia-se, que eu
coordeno) que saia, pois ninguém é obrigado a permanecer. Saibam que nessa
instituição de ensino quem manda é o senhor diretor. E não vamos admitir objeções ao seu íntegro
trabalho. Estamos entendidos? Mesmo que não estivessem, todos concordaram em
forma de silêncio, fazendo deste um sensato discurso, pois é sabido que quem
cala consente, e
que em boca fechada não entra mosquito.
O levante contra a direção havia
sido desmantelado, chapa única concorreria às eleições daquele ano e a
comunidade escolar teria a certeza de que todos estavam juntos num projeto
político pedagógico engajado com o interesse comum. Sua aprovação seria
unânime. Deus sempre esteve ao lado dos
justos, orai e vigiai. Contudo, ainda havia outros assuntos a serem deflagrados
pela diretora geral, entre eles a ousadia de certos professores que, ao passarem
por cima da direção, a procuravam diretamente na Coordenadoria Educacional para assuntos particulares. - Minha sala não é um confessionário, tenho
muito que fazer e não posso desperdiçar o meu tempo com problemas menores, o
fato de eu reconhecer o trabalho de vocês não significa que os tenho por
amigos, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Querem soluções,
peçam ao diretor que ele é quem está próximo e aberto a ouvi-los e orientá-los.
A essa altura todos se olhavam tentando identificar o culpado ou se eximir da
culpa.
Até que a professora de português,
vista como atrapalhada
e falastrona, denunciou-se ao tentar justificar sua conduta. – Desculpe-me
diretora, mas eu pensei que quando a senhora disse que seu gabinete estava
aberto para os professores, nós poderíamos realmente frequentá-lo –
justifica-se – Ora, senhora professora, o meu
gabinete sempre esteve e estará aberto a todo e a qualquer professor que deseja
comigo falar, desde que devidamente agendado e para assuntos pertinentes a minha
alçada e não como um consultório de lamúrias e pedidos que não me dizem
respeito. Quer se queixar, procure o bispo, não a mim. Neste momento a
professora engole em seco suas palavras e ressentimentos, encolhendo-se em seu
lugar.
Concluído o colóquio, a
representante da coordenadoria solicitou junto à coordenadora pedagógica um
relatório individual sobre as práticas pedagógicas executadas por cada um dos
professores, a fim de confrontá-las junto às diretrizes da Proposta Curricular
do Estado. Tal relatório seria de fundamental importância para a melhora no
aprendizado dos estudantes e, sobretudo, para a redução nos índices de
reprovação da rede estadual de ensino e, em consequência, garantiria o repasse
de verbas de incentivo à educação pública e de qualidade. Por falar em repasse,
a professora de sociologia, que tinha a fama de língua afiada, questionou o
fato de estar próximo o fim do ano letivo e muitos dos recursos e materiais
prometidos para seu início ainda não haverem chegado. -Morosidade das licitações
- responde a direção. Mas já estava tudo encaminhado e, provavelmente, para o
próximo ano todas as promessas seriam cumpridas. Quem espera, sempre alcança.
- Agora preciso ir, pois o carro me
espera e tenho que acompanhar o Secretário de Educação na inauguração da quadra
poliesportiva numa outra escola, logo mais, além de cumprir uma série de
despachos e atendimentos em meu gabinete. Conto com a colaboração de todos para
construirmos uma educação comprometida com a qualidade que a nossa comunidade deseja
e merece. Dito isso, retirou-se da sala
na companhia do diretor que se esforçava em mesuras e agradecimentos por sua
vinda. Nada mais a ser dito, todos se olharam de forma unânime e acharam por
bem uma pequena pausa, pois já passava da hora do cafezinho.
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