Esferográficos

Vamos estar transferindo sua ligação, senhor.

  a cegonha que me transportava tinha uma asa quebrada por causa disso acho que nasci meio torto gauche caminhando de um jeito engraçado e sorrindo para quem não conheço outro dia cumprimentei sua tia qual era mesmo o nome dela era Luíza ou Maria isso eu não sabia mas ela me pareceu simpática e disse que colhia flores para o meu enterro disse que eu morreria de rir mas eu não achei graça pois queria mesmo era morrer dormindo certa vez alguém me falou que dormir é como morrer em prestações então pensei que toda noite eu pagava uma parcela do meu carnê e que após a última eu gozaria a satisfação de um descanso eterno pois já andava cansado do meu jeito de caminhar e não chegar a lugar nenhum não cheguei a terminar o catecismo nem o noivado de sete anos nem o serviço que era para ontem hoje só amanhã é o que eu digo quando saio do trabalho as pessoas já não acham mais graça mas forço a piada mesmo assim tentando ser engraçado querendo agradar quem só me desagrada será carência paciênc...

O pé foi na bunda a dor, de cotovelo.

Alguém aí viu a revistinha da Avon?

Ela estava bem ali!

Sempre somava uma moeda ao cinzeiro da patroa, supersticiosa acreditava tratar-se de alguma oferenda.

Ele só queria me comer.

Deu branco.

Pai, você já era. E você, meu filho, o que é?

-Só engoli para não passar fome.

O filho vestia-se de perguntas. Numa saia justa, a mãe.

A família morria de vergonha, mas não se constrangia diante das conta pagas.

Então ele foi mudando violentamente.

O que você faz para estar tão esgotado assim? Distribuo currículos. 

No inverno o galho nu treme ao frio da madrugada.

Hoje foi o dia do pagamento, o mais esperado de todos os dias do mês, uma satisfação efêmera, fugaz. O dinheiro mal cai na conta e a gente já tá duro de novo. Depois de pagar o aluguel e as taxas de luz, água, gás, telefone, empréstimo e mercado o que sobra mal alcança para o transporte ou a pizza do final de semana, e a gente começa tudo de novo feito ratos correndo infinitamente numa roda que gira, gira, gira e não leva a lugar nenhum a não ser a exaustão de uma rotina frustrante e cansativa onde as esperanças vão morrendo lentamente com os nossos sonhos e a vontade de viver. O dia do pagamento é aquele que antecede a contagem regressiva de cada mês que se estende feito larga pena de uma sentença condenatória. 

O que você vê atrás de uma selfie? Essa é a pergunta que me faço cada vez que alguém pega do celular e o direciona para o seu rosto. O que a foto não revela? O que está por traz desse gesto? Vaidade, narcisismo, vazio? Ou apenas o condicionamento de um gesto involuntário impulsionado pelos padrões de comportamento de uma sociedade imagética?   Tira outra, olha, repete a ação o sorriso congelado, a felicidade instantânea o registro para o outro sempre para outro, para sua aprovação, seu like, quanto mais, melhor, o reconhecimento daquilo que aparento, ou busco aparentar, quase nunca do que sou. Afinal a realidade raramente é tão bela quanto à selfie que fazemos dela. A vida é um flash.  

Cansei.

Você já imaginou que um dia nos mudaremos para cá? Pelo menos a vizinhança é silenciosa.

O primeiro a fugir foi o guarda-chuva.